terça-feira, 15 de junho de 2010

Próxima etapa

Neste encontro para darmos continuidade ao trabalho, trazemos a leitura de um texto que julgamos importante para nossas discussões, intitulado:


O QUE É AFINAL ESTA COISA CHAMADA CIÊNCIA?

Roque Moraes-PUCRS
Jane Herber-PUCRS
Rosângela Moreira-PUCRS

Palavras-chave: ciência, produção científica, paradigmas

A natureza da ciência tem merecido imensas discussões e problematizações ao longo da sua história. Focaliza-se, nesta mesa algumas das idéias que tem sido postas em questionamento, orientando a discussão especialmente para a ciência entendida como produção científica, como constante evolução e a superação de paradigmas na ciência. Criticando entendimentos históricos, defende-se um conceito de ciências atualizado em que a produção se associa à reconstrução na consolidação de novos paradigmas superando entendimentos lineares e uniformes de ciência, mas abrindo espaços para múltiplos entendimentos e práticas.
O tema da produção científica será abordado a partir do texto “produzindo tijolos e construindo arranha-céus: a produção do conhecimento científico”. Nesta produção defende-se a idéia de que a ciência sendo humana é viva e dinâmica, envolvendo questionamentos, críticas, crises e rupturas, processo em que aos poucos o edifício da ciência vai sendo construído. Esse processo de produção que caracteriza a ciência é necessário questionar, discordar, relacionar vivências, contextualizar observações feitas, sempre na procura de uma validade aceitação por uma comunidade de cientistas e especialistas nos temas trabalhados. Neste processo não há métodos fixos e rígidos, mas se exige muita construção coletiva e crítica entre pares. Mesmo assim o conhecimento resultante é sempre provisório, com abertura a críticas e reformulações.
Os modos de produção da ciência mostram transformações históricas de acordo com as épocas em que foram utilizados. Destacam-se neste sentido o empirismo, o racionalismo, o positivismo, o racionalismo crítico, o contextualismo, o anarquismo, fenomenalismo e, finalmente a hermenêutica. Cada uma destas epistemologias deixou suas marcas na ciência, seguidamente ainda presente até os dias atuais. Qual delas afinal, poderia caracterizar a ciência? O que é ciência afinal?(Chalmers, 1993).
É possível verificar que o desenvolvimento da humanidade a partir da sua racionalidade e historicidade o conhecimento científico vem sendo produzido e reconstruído pelos homens que fazem história. O homem como ser intelectual vem passando por várias mudanças significativas na sua história de vida, vem mudando paradigmas e se reconstruindo a cada instante. Com o avanço da ciência o homem tem a seu dispor novos recursos para sua vida devido avanços tecnológicos que ele mesmo ajudou a produzir a fim de facilitar a sua sobrevivência.
A ciência vista sob o prisma da evolução constante será tratada a partir do texto “ciência em constante evolução: vasculhando na caixa das idéias e reconstruindo significados”. Ao focalizar a evolução da ciência enfatiza-se o constante questionamento a partir do qual se movimenta, processo em que esta constantemente revendo seus alicerces e sua história. Nisso o conhecimento científico é permanentemente reconstruído a partir de uma atitude investigativa, de análise e de reflexão. Os produtos da ciência são sempre inacabados e passiveis de aperfeiçoamento, à suas constante evolução.
Mostramo-nos ingênuos quando concebemos e realidade como algo pronto, pois ela se constrói e reconstrói de forma permanente, como algo em constante movimento e da qual nunca teremos acesso a uma verdade acabada. Assim como a realidade, ciência é algo que carrega a masca da reconstrução, conseqüentemente implica mudanças, e estas são produzidas ao longo das épocas.
Uma dessas mudanças ocorrendo atualmente e que carrega a todos é a da virtualização. Estamos caminhando para um período onde homem-máquina começa a ter uma conotação menos fictícia e mais real, resultante da evolução permitida pelas tecnologias. O observador, através da interatividade, não se reduz mais ao olhar e passa a agir sobre o fato. Vivemos numa interconectividade que faz da informação um verdadeiro elo de ligação entre sujeitos. Unir mente e máquina para produzir informações e conhecimentos é um vislumbre do nosso futuro, uma mostra de evolução?
Nesse tipo de evolução, em que o real cede lugar ao virtual, a pretensão de lidar com uma realidade concreta cedendo espaço para mundos de linguagem, o conhecimento das ciências já não é linear, mas se desenvolve e mostra sua evolução a partir de conhecimentos pré-existentes, indo alem das fronteiras, tateando no descobrimento de seus próprios limites. Todos os sistemas vivos estão constantemente evoluindo e tem a criatividade do próprio indivíduo, se espalhando nas sociedades. O elo entre a criatividade e a liberdade, demonstram as múltiplas possibilidades e responsabilidades do indivíduo com os seus pares e a comunidade. Desenvolver este senso de responsabilidade é estabelecer relações entre o indivíduo e seu contexto material e pessoal, entre a cultura humana e o mundo da natureza, reagindo com os outros e com o meio que o cerca de forma comprometida e, a cada instante, criativa.
Portanto, a ciência entendida em sua permanente evolução constitui um caminho de múltiplas possibilidades, sempre renovadas e recriadas, com teorias novas sendo reconstruídas de teorias anteriores, processos em que o homem não apenas compreende e explica melhor sua realidade, mas também se envolve em sua transformação.
O terceiro foco será a partir do texto “movimentos entre paradigmas: Idéias sobre ciências de professores de Matemática e Ciências”. Neste trabalho sintetizam-se o resultado de uma pesquisa realizada com cinqüenta e dois professores de ensino fundamental e médio sobre os seus entendimentos de ciências. Focalizam-se seis categorias utilizadas pelo sujeito para caracterizar ciência: conhecimento, método, experimentar, descobrir, compreender, explicar, comunicar e transformar. A pesquisa evidencia uma diversidade de idéias sobre ciências, abarcando diferentes epistemologias, mas inserindo-se, de modo preferencial, no paradigma dominante da ciência da modernidade. Os entendimentos de ciências de professores da área científica são complexos e variados, aparecendo com evidencia entendimentos indutivistas e empiristas, combinadas com representações mais criticas da ciência e da natureza.
Confrontando-se as idéias expressas nos depoimentos dos mestrandos com conceitos expressos tanto pelo positivismo lógico, como por Popper (1975), Kuhn (1987), Lakatos (1979), Bachelard (1986) e Feyerabend (1985), percebemos que o discurso sobre ciência expresso pelos participantes da pesquisa, de algum modo, apresenta pontes com todas estas perspectivas. Ainda que o positivismo lógico ainda se mostre mais evidente, todas as outras perspectivas de algum modo emergem, ainda que geralmente de forma implícita em alguns poucos depoimentos. Por isso ousamos afirmar que os entendimentos de ciências do grupo investigado mostra um movimento ainda que tênue, de uma ciência empirista indutivista para uma compreensão mais critica de ciência, com alguns indícios de emergência de um novo paradigma.
O exame dos entendimentos de ciências de professores de ciências e matemática mostra que as idéias expressas sobre ciências implicam em diferenciar o conhecimento científico do conhecimento do senso comum. A “doxa” difere da “espisteme”. Neste sentido nos depoimentos aparece implícita uma ruptura epistemológica, tal como proposta por Bachelard (1986), significando que a ciência rompe com um conhecimento cotidiano e do senso comum. A maior parte das afirmativas apontam para isto. Entretanto, também parece manifestar-se em alguma medida, ainda que em muito menor intensidade, a segunda ruptura epistemológica proposta por Santos (1987, 1989), qual seja o enriquecimento do senso comum pelo conhecimento científico. A ênfase na necessidade de relacionar o conhecimento científico com o cotidiano e o destaque atribuído à transformação das realidades sociais aponta para uma consciência em nascimento de uma revalorização do senso comum.
Assim, o discurso emergente das colocações sobre ciências de professores de matemática e ciências mostra uma diversidade considerável de idéias. No seu conjunto as diferentes vozes se manifestam preferencialmente características de uma visão internalista e de um discurso moderno de ciência. O paradigma emergente da pós-modernidade, ainda que pipocando eventualmente nos depoimentos, está ainda pouco presente nas idéias sobre ciências dos professores. As idéias apresentadas demonstram superações de paradigmas de ciência que ocorreram ao longo da história. Entretanto, quando à luz das idéias de Santos (1987, 1989) referentes aos paradigmas dominantes e emergentes, demonstram que a maioria delas ainda se encontra no primeiro paradigma.
Em síntese essa mesa propõe uma discussão de ciência focalizando a produção científica, a constante evolução da ciência e a superação de paradigmas. Procura-se mostrar nas discussões a diversidade de entendimentos de ciências existentes e de como a compreensão da ciência passa pelo entendimento dos diferentes paradigmas pelos quais passou ao longo da história. Muitas das idéias de paradigmas já superados ainda se manifestam à questão: o que é ciência afinal? (Chalmers, 1993).

Referências

BACHELARD, G. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1986.
CHALMERS, A. F. O que é Ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
FEYERABEND, P. Contra o Método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985.
KUHN, T. S. A. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978.
LAKATOS, I. (Org.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix, 1979.
SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987.
-----------. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

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